A DESCONSTRUÇÃO DO HOMO SAPIENS E APLICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM FACE DOS ANIMAIS NÃO-HUMANOS
1HELENA CINQUE, 2BRUNO SMOLAREK DIAS
1Discente do Mestrado em Direito Processual e Cidadania da UNIPAR e Integrante PIC/UNIPAR
22Docente do Mestrado em Direito Processual e Cidadania da UNIPAR
Introdução: É uníssono o conhecimento sobre a mudança de percepção e olhar sobre os direitos fundamentais que, saindo do antropocentrismo, adotou o biocentrismo. Neste sentido, a Constituição Federal por meio de seu art. 225, §1º, inciso VII, proíbe a crueldade em face dos animais não-humanos. Ou seja, deve haver aplicação dos direitos fundamentais em face destes, uma vez que são seres sencientes e portadores de direitos intrínsecos à sua natureza.
Objetivo: Analisar a aplicação dos direitos fundamentais em face dos animais não-humanos.
Desenvolvimento: A Constituição Federal (CF) faz menção, em seu art. 225, §1º, inciso VII, do dever Estatal de proteção ao meio ambiente, proibindo ações que levem os animais à crueldade (BRASIL, 1988), trazendo, assim, o entendimento de que existe uma preocupação da constituinte com o bem-estar dos animais não-humanos. Ou seja, que há [...] uma interligação evidente entre o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e os direitos humanos fundamentais [...] (SERAFINI, 2011, p. 164). Fato é, a CF seguiu aos anseios sociais, desconstruiu a figura do homo sapiens e avançou conforme a inteligência de países como França, Portugal (MEDEIROS; PETTERLE, 2019, p. 9), Suíça e Alemanha (SILVA; VIEIRA, 2016, p. 14), levando o alcance dos direitos fundamentais para além dos humanos. Todavia, inexiste diálogo com o Código Civil Brasileiro, que ainda classifica os animais não-humanos como bens móveis. Logo, apesar da força heterodeterminante da CF, a lei infraconstitucional não a acompanha, desprezando a capacidade senciente daqueles. Pode-se observar que, [...] como marco regulatório inicial, tem-se a Declaração Universal dos Direitos dos Animais [...] (SANTIAGO et al., 2019), ainda, em 2012, na Francis Crick Memorial Conference, houve a publicação da The Cambridge Declaration on Consciousness, onde um grupo de cientistas reconheceram que, além de seres dotados de senciência, os animais possuem consciência (CAMBRIDGE, 2012). Isso significa que eles são capazes de sentir tristeza, prazer, medo, alegria, raiva, estresse, ansiedade, depressão, e assim por diante. Para a ordem jurídico-constitucional brasileira, que abandonou os preconceitos antropomórficos e adotou o biocentrismo, os animais não são, meramente, coisas. O direito ambiental passou a ser observado, desta forma, como um direito fundamental para além dos humanos, no sentido de abranger todo o reino animal senciente. Apesar dos avanços caminharem em passos lentos, destaca-se no Brasil a aprovação, pelo Plenário do Senado Federal, do Projeto de Lei Complementar 27/2018. A proposta, além de implementar natureza jurídica sui generis para os animais não-humanos, estipula que estes não sejam mais tratados como bens móveis (BRASIL, 2018). A superação da perspectiva antropocêntrica já é, por si só, um avanço significativo, pois demonstra [...] o reconhecimento de que a vida não humana possui uma dignidade, portanto, um valor intrínseco e não meramente instrumental em relação ao Homem [...] (SARLET, 2008, p. 239). A descontrução do homo sapiens já se iniciou, a constituinte já abandonou a visão tradicional em que os animais não-humanos são meros bens móveis, todavia, o diálogo com as leis infraconstitucionais especialmente o Código Civil urge de melhor regulamentação e aplicação dos direitos fundamentais em face dos animais não-humanos.
Conclusão: O presente estudo abordou a desconstrução do homo sapiens, norteada pelo abandono do antropocentrismo e adoção do biocentrismo. Como consequência, a nossa Carta Magna, reconhecendo a importância dos seres sencientes, proibiu a submissão dos animais não-humanos à crueldade, demonstrando, desta forma, que os direitos fundamentais também devem ser aplicados à estes. Diante deste avanço social e existência de tal tutela, os animais não-humanos não podem mais serem classificados como bens móveis pelo ordenamento jurídico, devendo haver uma adequação para sujeitos detentores de direitos, ainda que paulatinamente integrados, se este for o desejo do legislativo.
Referências
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FRANCIS CRICK MEMORIAL CONFERENCE. The cambridge declaration on consciousness. Inglaterra: Cambridge, 2012. Disponível em: chrome extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://fcmconference.org/img/CambridgeDeclarationOnConsciousness.pdf. Acesso em: 03 ago. 2022.
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura; PETTERLE, Selma Rodrigues. Análise crítica do códico civil de 2002 à luz da constituição brasileira: animais não humanos. Revista Eletrônica dos Tribunais Online v. 93, mar. 2019. Disponível em: https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/favdoc/document?docguid=I5d7a4250505011e98b52010000000000#. Acesso em: 03 ago. 2022.
SANTIAGO, Giselle Feliz et al.,. As tendências internacionais e possíveis mudanças nos direitos da personalidade dos animais no Brasil. In: IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO E XVIII ENCONTRO ANUAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UNIPAR, 2019, Umuarama. Anais [...]. Umuarama: UNIPAR, 2019. Disponível em: https://sisweb02.unipar.br/eventos/anais/4354/html/18887.html. Acesso em: 03 ago. 2022.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
SERAFINI, Leonardo Zagonel; PIOVESAN, Flávia (coord). Direitos Humanos. Curitiba: Juruá, 2011, v. 1.
SILVA, Camilo Henrique; VIEIRA, Tereza Rodrigues. Animais: bioética e direito. Brasília: Zakarewicz Editora, 2016.
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